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Mídia e direito penal: em 2009, o populismo pena pode explodir

Mídia e direito penal: em 2009, o populismo pena pode explodir

De todas as possíveis formas de instrumentalização do direito penal (ou seja: de seu uso indevido), duas, desde logo, merecem destaque: a política e a levada a cabo pelos meios de comunicação (instrumentalização “midiática”).

O uso desvirtuado do direito penal vem se acentuando a cada ano: certamente 2009 não será diferente. Com o aumento da violência, pode explodir o “populismo penal” do legislador. Tudo depende do comportamento da mídia, que retrata a violência como um “produto” de mercado. A criminalidade e a persecução penal, assim, não somente possuem valor para uso político (e, especialmente, para uso “do” político), senão que são também objetos de autênticos melodramas cotidianos que são comercializados com textos e ilustrações nos meios de comunicação.

São mercadorias da indústria cultural, gerando, para se falar de efeitos já notados, a banalização da violência e o conseqüente anestesiamento da população, que já não se estarrece com mais nada.

Em inúmeros casos, o legislador, levado pela “urgência” e pelo ineditismo das novas situações, não encontra outra resposta (na verdade, nem sequer busca outra resposta) que não seja a conjuntural (“reação emocional legislativa”), que tende a ser de natureza “penal”, dependendo dos benefícios eleitorais que possa alcançar. Invoca-se o direito penal como instrumento para soluções de problemas, mas se sabe que seu uso recorrente não soluciona coisa alguma. Nisso reside o simbolismo penal.

Vários são os exemplos do que acaba de ser narrado (cf. O Estado de S. Paulo de 18 de maio de 2008, p. C6, matéria assinada por Laura Diniz): a partir de um fato midiático, a mídia pressiona e o Congresso Nacional cede, editando nova lei. Vejamos:

1) no final dos anos 80 e começo dos anos 90, em razão da onda de seqüestros (do empresário Abílio Diniz, de Roberto Medina – irmão de um parlamentar na época, etc.) veio a lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990), que aumentou penas, criou crimes, cortou direitos e garantias fundamentais, etc.;

2) em dezembro de 1992 a atriz Daniela Perez foi assassinada brutalmente pelo casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Daniela era filha da escritora Glória Perez, que fez um movimento nacional pró endurecimento da lei dos crimes hediondos. Veio, com isso, a Lei 8.930/1994, que incluiu o homicídio qualificado como crime hediondo;

3) em 1997 a mídia divulgou imagens chocantes de policiais militares agredindo e matando pessoas na Favela Naval, em Diadema (SP); a repercussão imediata foi a edição da lei de tortura (Lei 9.455/1997);

4) em 1998 foi a vez da “pílula falsa” (ganhou notoriedade o caso do anticoncepcional Microvlar, que continha farinha, o que não evitou a gravidez de incontáveis mulheres); esse constitui um exemplo marcante não só de direito penal midiático como, sobretudo, eleitoreiro. O legislador brasileiro, sob os efeitos do “escândalo dos remédios falsos”, não teve dúvida em reagir imediatamente: elaborou primeiro a Lei 9.677/98, para alterar o marco penal de diversas condutas relacionadas com o tema (a falsificação de remédio agora é sancionada, no mínimo, com dez anos de reclusão. Por meio do mesmo diploma legal, outras condutas não tão graves, como a falsificação de creme para alisar o cabelo, passaram a receber a mesma punição). Depois, publicou-se a Lei 9.695/98, para transformar diversos desses delitos em “hediondos” (o que, desde aquela outra lei, já se pretendia, mas que, por defeito de técnica legislativa não se conseguiu). De forma inédita, a lei foi aprovada em 48 horas;

5) em novembro de 2003 a estudante Liana Friedenbach e seu namorado Felipe Caffé foram brutalmente assassinados por um grupo de criminosos, sendo que o chefe da quadrilha era um menor (“Champinha”). O Congresso Nacional se mobilizou rapidamente, incontáveis projetos foram apresentados para ampliar ou tornar mais rígida a internação de menores infratores;

6) em maio de 2006 ocorreram os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), que assassinaram vários policiais em São Paulo. Logo em seguida o Senado aprovou nove projetos de lei, incluindo-se, dentre eles, o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado Máximo);

7) em fevereiro de 2007 o menor João Hélio Fernandes, de seis anos, foi arrastado e morto, num roubo ocorrido no Rio de Janeiro. Em seguida a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou proposta de redução da maioridade penal, porque um dos autores do roubo era menor. Esse projeto está pronto para ir ao plenário e só está aguardando (evidentemente) um outro fato midiático;

8) em 2008, para tentar coibir a expansão das milícias no Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera vários dispositivos do Código Penal, sem nenhuma chance de efeito prático (até porque, para evitar a impunidade, bastaria cumprir a lei vigente). Foi mais uma “legislação penal de emergência”, ou seja, mais uma inovação legislativa apressada, que foi editada para acalmar os ânimos da população (isto é: “mostrar serviço à sociedade”);

9) ainda em 2008, depois da absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Congresso Nacional aprovou o fim do protesto por novo júri.

O legislador brasileiro atua emergencialmente, mas sempre, claro, contra os “de baixo”. Das 646 propostas legislativas apresentadas de 2003 a 2007, apenas duas versavam sobre o crime do colarinho branco. Todas as demais se relacionavam com a criminalidade das ruas, dos excluídos etc.

O legislador vive sob o comando de uma “perene emergência” (Moccia). Basta um fato escandaloso e a pressão midiática para desencadear a marcha do “populismo punitivo”. Não atua como um juiz, sim, como parte. Raramente se vê no Brasil uma verdadeira indenização em favor da vítima. O que o Poder Político oferece é o “conforto enganoso” de uma nova lei, que é feita comA o cadáver ainda sobre a mesa. Claro que essa lei só pode seguir a lógica do linchamento.A

Em 2009, podem anotar: tudo o que o Congresso Nacional está esperando é a eclosão de mais um delito midiático. Se envolver um menor, embora eles sejam responsáveis no nosso paísA por apenas 1% dos crimes violentos, não há dúvida que os parlamentares vão aprovar a redução da maioridade penal (e vão “vender” isso como solução para o problema da criminalidade violenta do país).

E a população vai se comportar (evidentemente) como aquela mulher, da clássica anedota, que (indigna e aberrantemente) gostava de apanhar. Bate que eu gosto!

Luiz Flávio Gomes

FONTE: Última instânciaQ

er isso todos os dias, por exemplo, no trânsito, mas também em quase todos os setores. Os diálogos exemplificativos são mais ou menos assim: “Isso aqui precisa ser feito”. “Sim, mas há uma lei que diz que não se pode fazer assim”. “Não tem importância. Faz e depois a gente vê”. É o completo desprezo pela legalidade. E não importa o objetivo. Hoje, há muita gente que acha válido passar por cima da lei para pegar supostos criminosos. Não pode. Causou-me perplexidade uma pesquisa feita há alguns anos, na qual os jovens responderam que para progredir na vida valeria tudo, até desrespeitar a lei e tomar atitudes antiéticas. Isso é um desastre. E é nesse caldo de cultura que estamos vivendo, recrutando os juízes.

ConJur — Os fins não justificam os meios…

Peluso — Não. As decisões do Supremo são muito questionadas por isso. Determinadas CPIs têm objetivos extraordinários, então muitos acham que vale tudo para que eles sejam alcançados. Todo mundo está de acordo com os objetivos. Ninguém é favor da corrupção ou de interceptações telefônicas para baixo e para cima. Sou contra tudo isso. Agora, para combater isso é preciso respeitar o ordenamento jurídico. Há outros valores jurídicos envolvidos na questão. Para atingir um objetivo necessário e legítimo, eu não posso admitir que se comprometa um mundo de garantias fundamentais dos cidadãos. Os fenômenos, sobretudo os fenômenos políticos, quando são objeto de decisão do Judiciário, são julgados a partir desse ponto de vista, de que não se pode fazer qualquer coisa a qualquer titulo só porque o escopo final é valido, aceito e todo mundo quer.

ConJur — Houve certos momentos de tensão entre o Judiciário e o Legislativo no ano passado. Um deles foi por causa dos efeitos da fidelidade partidária. Outro foi provocado por uma decisão do senhor, que não permitiu que a CPI das Escutas tivesse acesso a dados telefônicos sigilosos. O senhor foi bastante criticado na ocasião. Como recebe essas críticas?

Peluso — Como manifestação de inconformismo própria da democracia, onde as pessoas, em princípio, falam o que querem. Não posso guiar-me pelo que dizem. Todos nós aqui no Supremo sabemos que, se tomarmos uma decisão em determinado sentido, haverá muitas críticas de pessoas que se sentirão atingidas, prejudicadas, inconformadas. Mas isso não pode guiar nenhum juiz, muito menos um ministro do STF. As decisões do Supremo estão aí para serem respeitadas e, depois, criticadas. Mas, no Brasil, diferentemente de outros lugares do mundo, a crítica é pessoal, não é do teor da decisão. Muitas vezes se critica a pessoa do ministro, não a decisão que ele tomou. Isso é um problema primário de educação e de civilidade, não propriamente de democracia. Há certas críticas que chegam a tipificar crime contra a honra dos juízes.

ConJur — Seria o caso de processar os autores das críticas?

Peluso — Será que valeria a pena que um ministro do Supremo descesse à arena do processo penal para responder a afrontas?

ConJur — O senhor considera que a denúncia contra o ministro Paulo Medina, do STJ, foi o mais importante processo que relatou no ano passado?

Peluso — Eu diria que foi o mais rumoroso, mas não sei se foi o mais importante. É um processo complexo, com quase cem volumes e que versa sobre temas delicados, ligados à magistratura. Mas o Supremo tomou outras decisões que, no plano nacional, foram muito mais importantes. E é preciso ressaltar, sobre esse processo do Medina, que nós apenas recebemos a denúncia. O caso ainda está sendo processado. Não há culpados por enquanto nesse processo.

ConJur — O Supremo fixou alguns precedentes importantes nesse processo, não? Por exemplo, que não é necessária a transcrição integral das escutas telefônicas nos autos e que, se a decisão estiver bem fundamentada, as interceptações podem ser prorrogadas por mais de 30 dias.

Peluso — Sim. São precedentes importantíssimos. O Supremo deixou duas orientações. Primeira: medidas de investigação que implicam, de certo modo, restrição às liberdades pessoais têm de ser tomadas com muita cautela e rigorosamente dentro dos limites legais. Esse é o ponto de vista de resguardo das garantias individuais que a Constituição preserva. A segunda é que o Estado tem de ter certa margem de liberdade para apurar crimes. A criminalidade hoje é muito competente no seu mau ofício. Portanto, o Estado tem que contar com instrumentos de eficácia maior do que aqueles que a criminalidade cria para fugir das regras. Se o Judiciário, sem prejuízo de respeito das liberdades individuais, não permite ao Estado avançar no combate à criminalidade, então fica difícil conviver em sociedade.

ConJur — Por isso se permitiu interceptação telefônica por mais de 30 dias?

Peluso — O Supremo foi comedido. Admitiu interceptação por mais de 30 dias apenas quando haja justificação adequada. Não se pode permitir escuta indefinida, mas também não se pode restringir de modo a torná-la inútil na investigação de organizações criminosas. Um valor fundamental não pode anular o outro. De certo modo, entendo que o Supremo encontrou o equilíbrio entre essas exigências constitucionais.

ConJur — O senhor considera que há exagero no número de interceptações telefônicas?

Peluso — Eu estou perdido quanto aos números. A CPI tem um número, o Conselho Nacional de Justiça fala em outro e eu, pessoalmente, não tenho dados para dizer qual está correto. Agora, se os números da CPI forem aproximadamente verdadeiros, é um descalabro. Isso seria uma revelação terrível do ponto de vista do funcionamento do Estado no seu aparato policial: significaria que já ninguém investiga inteligentemente nada e prefere ficar gravando para ver se surge alguma nas conversas telefônicas.

ConJur — É correto começar investigação a partir de escuta telefônica?

Peluso — A escuta telefônica tem de servir apenas para auxiliar a investigação. Não há o menor propósito nem sentido em começar uma investigação com escutas. As interceptações devem ser usadas quando sejam a única forma de se provar um fato sobre o qual já haja indícios muito fortes. Se há outro meio de provar o delito, não cabe escuta. A Polícia tem de investir em inteligência, até para fortalecer suas investigações. Porque eu posso dizer ao telefone que fiz uma transação ilegal. Isso não prova nada se a Polícia não tenha documentos que mostrem que a transação foi, de fato, feita e é ilegal. Ou seja, temos de reconhecer que as interceptações telefônicas são um instrumento útil de investigação policial, mas que são apenas auxiliares da investigação. Existem muitos outros meios de investigação e de provas que, na maioria dos casos, são suficientes para apurar prática de delitos.

ConJur — É preciso repensar a investigação?

Peluso — Tudo depende da orientação que se dê aos órgãos policiais. Ninguém pode deixar de reconhecer que houve um investimento muito grande na Polícia Federal nos últimos anos e que isso é muito bom. Quando surgiu, a PF era considerada polícia de segunda classe. Hoje, sem dúvida, é a mais bem equipada das instituições policiais, com gente nova, inteligente, preparada, com cursos aqui e no exterior.

ConJur — Nós vivemos em um Estado policialesco?

Peluso — Não. Dizer que vivemos em um Estado Policial é figura de retórica. Todos temos medo de chegar lá, mas hoje não vivemos essa condição. Eu acredito que estamos passando daquela fase de receio, de medo dos excessos policiais. Houve excesso de marketing em certas atividades e operações policiais. Mas, agora, a própria imprensa passou a dar notícias de operações policiais tão frutíferas quanto outras do passado recente, mas sem igual estardalhaço.

ConJur — O senhor considera que o Supremo tem um papel importante nesse quadro?

Peluso — O Supremo teve um peso importante nesse processo. A corte foi ponderada. Não disse que vivemos em um Estado policial. As decisões foram pontuais. Um bom exemplo é o episódio da súmula das algemas. O piloto brasileiro Hélio Castro Neves agora está sendo processado nos Estados Unidos por problemas de impostos. Ele é conhecidíssimo lá, campeão de automobilismo. Noticiaram que foi preso e algemado, não apenas pelas mãos, mas também pelos pés. A pergunta é: para quê? O que os órgãos policiais, o Estado e a sociedade ganharam com isso? Nada. Se ele tinha que ser preso, provavelmente teria acompanhado o policial da captura andando normalmente ao seu lado. O que o Supremo quis reprimir, com aquela súmula vinculante, foi exatamente isso: o excesso ou abuso. A pessoa apresentar-se à Polícia para ser presa não é uma situação em que se justifique o uso de algemas. O STF adotou essa postura para coibir atos extremamente abusivos, que tinham pouco a ver com a segurança dos policiais e das suas operações.

ConJur — Os policiais reclamaram…

Peluso — Fui juiz em São Paulo por mais de 30 anos e não me lembro de nenhum caso em que vieram reclamar de que a Polícia de São Paulo botou algemas em alguém desnecessariamente. Depois que aprovamos a súmula, recebi telefonemas de amigos da Polícia, delegados e investigadores, que me diziam: “Mas, ministro, isso é um absurdo”. E eu respondi: “Gente, continuem fazendo o que sempre fizeram. Algemem o cidadão quando haja necessidade, como sempre foi feito”. Não mudou nada. Só coibimos os abusos.

ConJur — Se a Polícia Federal é polícia judiciária, ela não deveria se subordinar ao Judiciário, e não ao Executivo?

Peluso — No exercício da atividade, sim. Administrativamente, não. A atividade de investigação da polícia judiciária é que deve ficar sob a supervisão do Judiciário. Se a Polícia, enquanto organização, fosse subordinada ao Judiciário, teríamos, entre muitos outros inconvenientes, o problema de separar o juiz que supervisiona a Polícia do juiz que julga a ação penal. As duas coisas não podem, em princípio, ficar nas mesmas mãos. Quem colhe as provas ou supervisiona o inquérito não pode julgar. Eu já ofereci sugestões ao presidente do STF e do CNJ, ministro Gilmar Mendes, para que se adote, por meio do Conselho Nacional de Justiça, o modelo do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais) de São Paulo, onde for possível.

ConJur — Qual é o modelo?

Peluso — Os juízes do Dipo só supervisionam os inquéritos. Nenhum deles recebe denúncia, nem julgam. Eles trabalham exclusivamente no controle da atividade da polícia judiciária e do Ministério Público, dentro do inquérito. Quando há denúncia, ela é distribuída para os juízes das varas criminais, que são outros. É uma ótima sugestão para aperfeiçoar não apenas o funcionamento da polícia judiciária, mas também o controle dela.

ConJur — Ainda há razão para manter em vigor a Súmula 691 do STF, que impede o tribunal de analisar pedido de Habeas Corpus contra decisão monocrática de tribunal superior?

Peluso — Fui eu quem propôs a revogação ou atenuação dessa súmula porque o Supremo não tem escapatória: se o ato praticado pelo relator de tribunal superior, ainda que seja em liminar, configura constrangimento manifestamente ilegal, o STF tem de sanar a ilegalidade. Agora, é preciso levar em conta o argumento dos outros ministros. Para eles, se cancelarmos a Súmula 691, o Supremo ficará entupido com o volume de pedidos de Habeas Corpus que irá subir.

ConJur — Mas já não sobe, porque os advogados sabem que há a chance de a súmula ser superada?

Peluso — Minha avaliação é que a existência ou a inexistência da Súmula 691, hoje, não muda nada, exatamente porque o tribunal está superando a súmula naqueles casos em que fica provado haver patente ilegalidade, como, por exemplo, quando se contrariou a jurisprudência do Supremo a respeito.

ConJur — Na última sessão do ano da 2ª Turma, o senhor, visivelmente irritado, pediu para julgar um processo penal que não estava na pauta, de um sujeito que entrou com embargos infringentes e de declaração. Os embargos foram rejeitados e o senhor determinou a imediata certificação do trânsito em julgado e a intimação por telex. Por quê?

Peluso — Porque a punibilidade seria extinta, por prescrição, agora em fevereiro, pois estavam apresentando recursos francamente protelatórios só para alcançar a impunidade por meio de consumação da prescrição penal.

ConJur — Além de atitudes como essa que o senhor tomou, o que mais o Judiciário pode fazer para evitar que as pessoas usem a Justiça para protelar o cumprimento de obrigação?

Peluso — Os juízes têm de usar os poderes de repressão da deslealdade processual. O Judiciário não leva a sério o poder que tem para reprimir a deslealdade processual.

ConJur — Que poderes? Multa, por exemplo?

Peluso — Multa é uma medida. Há outras. Estamos amadurecendo a ideia de introduzir no Brasil institutos semelhantes aos que existem nos Estados Unidos. A repressão à deslealdade processual lá é bem retratada nos filmes, em que o juiz adverte o advogado que transpõe a lealdade no processo: “Eu mando cassar sua habilitação na Ordem se o senhor continuar com essa atitude”. O desrespeito à autoridade da corte é reprimido nos Estados Unidos de modo muito rigoroso, muito severo. Não precisamos, talvez, adotar nada tão violento, mas é preciso tomar medidas que reforcem esse poder do Judiciário de reprimir a deslealdade processual, o uso da máquina judiciária para satisfazer interesses ilegítimos. A maioria dos juízes não usa os instrumentos que já temos. É raro ver o juiz aplicar multa ou tomar atitude mais drástica dentro do processo, sobretudo na área penal onde recursos protelatórios tendem apenas a conseguir a prescrição e a impunidade, o que ajuda muito a abalar a imagem do Judiciário.

ConJur — O senhor é a favor de uma reforma processual mais profunda?

Peluso — Sou. O sistema brasileiro é um sistema bom para um Cantão da Suíça. Há uma infinidade de recursos, de coisas inúteis. Estão-se fazendo reformas pontuais que não surtem efeito prático. As medidas que produziram perceptível efeito prático foram a Súmula Vinculante e a Repercussão Geral. Estas, sim, se traduzem em números. As outras, nada ou quase nada. Mudou um pouco a execução, mas demora do mesmo jeito. Criou-se uma penhora online, muito usada na Justiça do Trabalho e que ajuda em algumas coisas, mas parece que embaraça em outras. Os empresários reclamam muito. Fala-se que empresários estão criando contas apenas para penhora, para não ficar sem capital de giro e dinheiro de investimento. Mas parece que a reforma do júri foi acertada do ponto de vista prático porque concentra todos os atos do processo em uma audiência, passando-se imediatamente para o júri. Acho que deveria ser reunida uma comissão de alto nível para repensar o Código de Processo Civil e o de Processo Penal. Não adianta reformar o Código Penal, por exemplo. A maioria acha que resolve problema criar figuras de crime. Isso é equívoco grave. As figuras e penas de crime que nós temos são mais que suficientes.

ConJur — Aumentar pena não diminui a criminalidade.

Peluso — Não adianta nada. Só atrapalha. A exacerbação de certas penas leva os juízes a terem problemas de consciência para aplicar a punição que seja muito severa. Há um exemplo ótimo disso que me foi dado por um professor da Universidade de Ottawa, que esteve aqui no Supremo recentemente. Nós conversamos sobre o problema de se fixar penas mínimas — a constitucionalidade da pena mínima ainda não foi, mas, dias menos dias, será discutida aqui. Ele contou o seguinte caso. Uma moça sem nenhum antecedente criminal viajava do Canadá para a Europa e encontrou um conhecido no aeroporto. Ele pediu-lhe que levasse um pacote até determinado país. Era droga. Ela foi pega e processada. Um tribunal do Canadá encontrou-se em um dilema terrível porque a pena mínima prevista para tráfico internacional de drogas é alta e foi considerada exagerada para o caso da moça, dadas as circunstâncias do fato. O tribunal esteve inclinado a não aplicar a pena mínima porque era desproporcional ao fato.

ConJur — O Supremo já discutiu algo parecido?

Peluso — O Supremo tem jurisprudência firme no sentido de que não se pode aplicar pena menor que a mínima, salvo nos casos de causas especiais de diminuição. Mas não podemos considerar atenuantes comuns, em casos como o dessa moça canadense? Ela poderia ser equiparada a um profissional que vive de levar drogas para outros países, só porque foi imprudente ou muito leviana? O STF, algum dia, certamente discutirá isso.

ConJur — É justo tratar igualmente o profissional e a moça que foi enganada?

Peluso — O fato típico abstratamente considerado é o mesmo. Mas o histórico, o fato