Interesse público não justifica violação do prévio direito de defesa
Interesse público não justifica violação do prévio direito de defesa
Hoje em dia, as relações humanas são fugazes, surgem e desaparecem sem deixar vestígios. E, nesse ponto, o Direito não pode ignorar essa realidade, sob pena de não cumprir sua função: manter a ordem jurídica. O grande desafio é compatibilizar a realização do interesse público — manutenção da ordem jurídica — com as garantias e os direitos individuais, que têm o fundamental papel de defender os cidadãos contra o Estado.
No caso de escutas telefônicas autorizadas por ordem judicial para fins investigatórios, é possível afirmar com segurança que sua realização não é compatível com o exercício prévio do Direito de Defesa, pois, do contrário, elas seriam destituídas de qualquer sentido útil ou prático. Em razão da natureza específica dessa prova, o Direito de Defesa deve ser garantido após o término do período da quebra de sigilo telefônico.
O dever de ser informado posteriormente sobre a quebra do sigilo telefônico é tão fundamental e necessário quanto o regular direito de defesa prévio garantido em outros procedimentos investigatórios.
A atual lei de escutas telefônicas (Lei 9.296, de 24 de julho de 1996), entretanto, silenciou sobre o assunto, apesar desse direito decorrer diretamente da Constituição Federal.
Já o Projeto de Lei do Senado no. 525/2007 prescreve que: “Não havendo requerimento de diligências complementares ou após a realização das que tiverem sido requeridas, o juiz intimará o investigado ou acusado para que se manifeste, fornecendo-lhe cópia identificável do material produzido exclusivamente em relação à sua pessoa”(artigo 12).
O artigo legal garante não só ao investigado, mas a qualquer pessoa que tenha tido seu sigilo telefônico rompido, por ordem judicial, o direito de ser informado da quebra e de apresentar defesa em regular procedimento investigatório, garantido o acesso às transcrições referentes a seus interesses.
O processo investigatório ou inquisitorial não dispensa a observação do princípio do direito à defesa e ao contraditório do investigado, nem pode ser substituído pelo exercício desses direitos na ação penal.
A nova solução proposta, portanto, compatibiliza o interesse público na realização de eficiente investigação com os direitos e garantias individuais dos particulares por ela afetados.
Sem garantia do Direito à Defesa não existe Estado Democrático de Direito. O interesse público não pode justificar nem validar qualquer violação à Constituição Federal.
Pedro Paulo de Rezende Porto Filho é mestre em Direito Constitucional, sócio do escritório Porto Advogados e autor do livro Quebra de Sigilo pelas Comissões Parlamentares de Inquérito.
FONTE: Revista Consultor Jurídico, 10 de janeiro de 2009