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Advocacia Bittar > Artigos Escritorio  > A punibilidade como categoria substantiva na estrutura geral do delito

A punibilidade como categoria substantiva na estrutura geral do delito

A punibilidade como categoria substantiva na estrutura geral do delito

A punibilidade como categoria substantiva na estrutura geral do delito (Walter Barbosa Bittar)
SUMÁRIO:
1. Introdução;
2. A terminologia punibilidade: alcance e efeito;
3. Enfoque quanto ao conceito analítico de delito;
4. A punibilidade como categoria autônoma;
5. Conclusão.

  1. Introdução

Pouco aprofundado, mas de crescente importância, em especial pelo estado atual da doutrina do fato punível, focada no desenvolvimento do pensamento teleológico-funcional e racional, é a reflexão sobre a postura da doutrina majoritária, que vem se inclinando para a construção de uma categoria específica para acolher os chamados pressupostos adicionais da punibilidade localizados fora do injusto culpável ou da responsabilidade penal , tais como as condições objetivas de punibilidade, escusas absolutórias e as causas de liberação de pena (incluídas aqui a questão da imunidade parlamentar ).
Não obstante a falta de profundidade no tratamento do tema, bem como o panorama dos estudos até agora existentes mostrarem-se, absolutamente inconcludentes, resta importante destacar a advertência de Jorge de Figueiredo Dias de que, o esforço em contribuir para o desenvolvimento do tema, que representa a racionalização, representada pela doutrina do crime nos capítulos da ação, da tipicidade, da ilicitude, da culpabilidade, não poderá evitar a frustração quanto ao tratamento tradicional destinado a esta questão.
Ainda segundo o professor Figueiredo Dias, as conclusões apresentadas (negativas), afirmam que os chamados pressupostos adicionais da punibilidade se tratam de um conjunto de pressupostos que, “se bem não se liguem nem à ilicitude, nem à culpabilidade, todavia decidem ainda da punibilidade do fato; e que, juntando as chamadas ´condições objetivas de punibilidade´ às ´causas de exclusão da pena´, englobaria elementos tão diferentes, na sua estrutura, no seu relevo político-criminal e no seu significado e função dogmáticos, como p. ex. – segundo muitos CPs – a consumação ou  a tentativa de suicídio no crime de incitamento ou ajuda ao suicídio ou a prática de um ilícito-típico no crime cometido em estado de embriaguez; a impunibilidade de votos e opiniões de parlamentares; o fato de o agente ser encontrado no país quando o crime tenha sido praticado no estrangeiro; a prova da verdade da imputação da honra; a desistência da tentativa, etc.!“
Outros autores terminam por não aceitar a categoria da punibilidade, reconduzindo seus elementos ao injusto culpável ou a individualização da pena, não obstante coincidam, ao tratamento que conferem a punibilidade, em muitos pontos com os partidários da punibilidade .
Na verdade, as indagações sobre o tema da punibilidade exsurgem, conforme ressalva Rodrigo Sanchéz Rios , como um verdadeiro laboratório, onde frequentemente se antecipa a futura evolução do Direito Penal. Assim, com o intuito de participar desse intrigante tema de estudo é que o presente artigo se propõe.

2. A terminologia punibilidade: alcance e efeito
 
Conforme destaca Santiago Mir Puig , com freqüência às definições de delito acrescentam as notas de comportamento humano tipicamente antijurídico e culpável, que o mesmo seja punível. Essa discussão sobre as características particulares da existência ou não de uma categoria autônoma na definição de delito comporta ainda um esclarecimento necessário, antes de adentrar ao cerne da questão da possibilidade de se aceitar esta posição de uma parte da doutrina, pertinente à terminologia adotada para explicitar a existência de um suposto quarto elemento, chamado por uns de punibilidade e por outros de penalidade.
Ainda que a terminologia não comprometa a compreensão do tema, importa observar a posição de Guillermo Sauer , que difere a penalidade da punibilidade, afirmando que a primeira estaria por detrás da segunda, ou na maior parte das vezes. Assim, segundo Sauer, a penalidade seria o conjunto dos pressupostos positivos da pena segundo a lei, ou sentença de acordo com as exigências da idéia do Direito. A punibilidade seria então o conjunto daqueles pressupostos da pena que devem ser realizados na lei e na sentença, a fim de que se satisfaça a idéia de direito. Sauer faz ainda uma graduação: punibilidade, pressupostos da pena, fundamentos da medição da pena, correspondente a uma grande hierarquia: Direito, lei, sentença, três pontos de apoio que deveriam ser adaptados, ajustados e analisados de modo que se correspondam exatamente, que começa no reino das idéias e dos valores absolutos. Como a meta do jurista, para este autor, é a concreção da justiça na vida social, da mesma forma vale para o Direito penal: a punibilidade a que se configurar concretamente nos fundamentos de medição da pena, resultando sucessivas exigências para a legislação, a jurisprudência e a ciência.
Contudo, esta distinção não apresenta nenhum dado relevante para que seja adotada, tampouco se justifica. Nesta seara, Francisco Muñoz Conde e Mercedes Garcia Arán , por exemplo, que preferem utilizar o termo penalidade, afirmam que a penalidade ou punibilidade é uma forma de recolher e elaborar uma série de elementos ou pressupostos que o legislador, por razões utilitárias, diversas em cada caso e alheias aos fins próprios do Direito Penal, pode exigir para fundamentar ou excluir a imposição de uma pena e que somente tem em comum que não pertencem nem a tipicidade, nem a antijuridicidade, nem a culpabilidade, ou seja empregam o termo penalidade como sinônimo de punibilidade. Da mesma forma Jiménez de Asúa – ao discorrer sobre a suposta quarta categoria do delito – emprega ambas as expressões (penalidade e punibilidade) como sinônimas não fazendo diferença à utilização de um ou outro termo, que na realidade tem de fato um único significado. Dessa forma, não há motivos para diferenciar penalidade de punibilidade, pois, em regra, estas expressões, além do próprio termo pena, podem ser utilizadas como sinônimos, não alterando seu conteúdo.

3. Enfoque quanto ao conceito analítico de delito

Para uma melhor investigação do tema, parece-nos imprescindível, na tentativa de rever a categoria da punibilidade, analisar a questão com mais ênfase em face do conceito analítico, a fim de verificar a possibilidade de conhecer sua consistência e fundamento. Assim, importa observar, que a importância do tratamento do tema sob o prisma analítico, reside na sua finalidade principal de aprofundar o estudo do desenvolvimento interno das normas penais, facilitando a aplicação do direito. Neste sentido, o conceito contribui decisivamente para melhorar a visualização dos problemas e casos penais, de interesse prático imediato, pois, não fosse possível a dissociação do delito em elementos singulares, não se saberia como tratar problemas de difícil solução, cuja doutrina vem apresentando dificuldade em apresentar uma justificação sistemática clara , como por exemplo, as condições objetivas de punibilidade . Mais: uma consideração unitária ou sintética do delito leva fundamentalmente ao terreno das instituições e das apreensões irracionais , daí também ressaltar a importância do conceito analítico.
Reforçando a importância deste conceito Cezar Roberto Bitencourt salienta também que “os conceitos formal e material são insuficientes para permitir à dogmática penal a realização de uma análise dos elementos estruturais do conceito de crime” . Ainda segundo Bitencourt esse conceito continua sustentado por finalistas e não finalistas , o que autoriza o raciocínio de que uma visão teleológico funcional não prescindiu deste.
Em principio, tomando-se por base o conceito analítico, importa buscar um modelo de injusto culpável que seja possível adotar para qualquer delito, repelindo-se, desde já, qualquer possibilidade de construção de um conceito relativo, ou seja, que sirva somente para determinados crimes, em especial quando presente um pressuposto adicional de punibilidade. Ressalte-se ainda que alguns autores preferem estudar uma parte do problema no tipo, embora sem uma justificação sistemática clara , o que não parece uma solução adequada, eis que as questões pertinentes à temática da punibilidade, se dissipam em uma série de elementos heterogêneos, mas que não recomendam, apenas por sua face heterogênea, e por que não dizer policrômica, que o tratamento da matéria seja desenvolvido de forma isolada ou casuística, partindo-se de exceções para criar uma regra de interpretação que não se preste a todas as normas penais.
Em sentido contrário as nossas assertivas, Claus Roxin sustenta que a punibilidade não é uma categoria própria do conceito analítico de crime, mas funciona como um filtro para excluir a sanção penal em alguns casos específicos. Noutra vertente, amplo setor doutrinário, alinha, ao conceito de delito, ao lado do injusto e da culpabilidade, também a punibilidade .
Embora seja possível perceber que há uma tendência crescente em um setor da doutrina , de incluir a punibilidade no conceito analítico de delito , sob o argumento precípuo, segundo Muñoz Conde e  Garcia Arán de que “(…) com a constatação positiva destes elementos tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, se pode dizer que existe delito e seu autor pode ser castigado com a pena que se assine em cada caso concreto ao delito na lei. Em alguns casos se exige, sem embargo, para poder qualificar um fato como delito à presença de alguns elementos adicionais que não pertencem nem a tipicidade, nem a antijuridicidade, nem a culpabilidade. Assim, por exemplo, se exige para castigar a quebra punível a prévia declaração de insolvência….” e concluem: “Se fala nestes casos de penalidade e se considera que esta categoria é também um elemento pertencente a teoria geral do delito” .
Para os defensores do conceito de que a punibilidade é uma categoria substantiva na estrutura do delito, tal entendimento se justifica porque o injusto e a culpabilidade, não são suficientes, sozinhos, para justificar a pena, pois em todos esses casos deve assegurar-se ademais a necessidade prática de se fazer uso da mesma para a proteção da ordem social . A circunstância colocada pelos defensores da punibilidade como categoria autônoma faz supor que além do injusto culpável é possível situar uma série de elementos cuja função é dar conteúdo a um juízo sobre a necessidade de castigo. Esta categoria nova que tem também como função agrupar todos os elementos que não dependem do injusto e da culpabilidade e os pressupostos processuais por meio dos quais se valora a perseguibilidade do fato .
Entretanto, as conclusões apresentadas por estes defensores esbarram no argumento de que reconhecer elementos fora do injusto culpável, que limitam a punibilidade, não implica em criar uma categoria específica, dentro do conceito analítico. O fato é que esta categoria (punibilidade) delimita o âmbito do punível, não somente a aplicação da pena, não sendo possível criar uma categoria, de exceção, dentro de um conceito que pretende justamente facilitar o estudo da norma penal, facilitando a aplicação do direito.

4. A punibilidade como categoria autônoma

Esclarecida a questão da divergência terminológica, não obstante as já mencionadas posições favoráveis à existência de uma quarta categoria do delito, denominada punibilidade, categoria que é assim cognominada “(…) para designar a última pedra do edifício do conceito de fato punível e da respectiva doutrina geral – é, sob certo ponto de vista, um conceito equívoco” .
Um ponto importante para não acatar a punibilidade como uma categoria autônoma, é o de que a própria noção de punibilidade não é inequívoca, apresentando dificuldades quanto ao seu verdadeiro alcance e sentido. Outro ponto, também relevante, é o de que não se pode admitir um conceito, cuja justificação encontre supedâneo na necessidade de acomodar os elementos que são alheios ao injusto e a culpabilidade, pois, esta forma de elaboração dogmática romperia a concepção unitária do delito e faria surgir outras tantas categorias . E mais: “(…) pode ainda acontecer, na verdade, que a punição acabe por não se dever efetivar por razões que já não têm a ver com a doutrina do fato, mas autonomamente com a doutrina da conseqüência jurídica, com a doutrina da pena” .
Este esforço da doutrina visa conseguir integrar as excludentes de punibilidade (condições objetivas de punibilidade, escusas absolutórias, causas pessoais de liberação da pena), dentro da categoria punibilidade, que abrange ainda outras circunstâncias, tais como a prescrição, a anistia e o perdão da vítima , mostrando-se “(…) um esforço artificial para manter uma visão totalizadora da estrutura do delito” . Recorda Jose Cerezo Mir que embora a punibilidade tenha conteúdo próprio, não está correta sua inserção no conceito de delito, pois as condicionantes da punibilidade (no enfoque deste penalista especificamente quanto as escusas absolutórias e as condições objetivas de punibilidade), além de possuírem natureza material diversa, são escassas na legislação penal, não se podendo asseverar que sejam elementos indispensáveis à configuração do delito. A esta conclusão pode-se arrematar com o entendimento de Nelson Hungria demonstrando que “(…) o jus puniendi não é unicamente o direito de exigir a imposição da pena cominada, mas também o direito de reclamar a execução da pena imposta in concreto. Isto está a demonstrar que a punibilidade supre o direito ou o poder de punir por parte do Estado, ou o que tem o mesmo significado, a possibilidade de aplicação da pena, a punibilidade do fato incriminado , mas não que represente um novo elemento do crime.
Destarte, a punibilidade é sempre posterior ao delito, do qual tem origem, estando por vezes subordinada ao implemento de uma condição objetiva de punibilidade, isentando o agente de pena em razão de uma condição pessoal  cuja fundamentação foge as diretrizes do Direito Penal, não apontando para um tratamento autônomo de uma determinada modalidade delitiva, apenas porque – nesses casos – justifica a exclusão da pena, alheia ao tradicional conceito analítico de delito.

5. Conclusão

Embora muito distante de uma recepção homogênea pela doutrina, certo é que não se pode deixar de ser reconhecido que o legislador moderno, em especial no chamado Direito Penal Econômico, termina por criar uma “cauda disfuncional” iminente a legislação penal tradicional, onde torna-se extremamente complexo submeter idênticos princípios e regras, dos chamados delitos tradicionais.
Mas tais questões “disfuncionais” não são exclusividade do Direito Penal Econômico, eis que já foram identificadas de longa data, não sendo nenhuma novidade para a ciência penal.
As características peculiares dos pressupostos adicionais da punibilidade estão muito distantes de uma compreensão segura de suas formas. Contudo, tal realidade, por si só, não permite o raciocínio de que exista uma quarta categoria autônoma do delito, somente pela dificuldade evidente da ubiquação sistemática desta na teoria do crime.
O ponto principal para não se admitir a punibilidade como uma categoria autônoma reside no fato de que, seria forçoso reconhecer a existência de duas formas distintas de interpretação da norma penal, sem que se estabeleça com segurança, sequer, o critério identificador  destas, ou seja, quando estaríamos diante de um conceito analítico tripartido (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) de delito, ou quando estaríamos diante de um conceito quadripartido (tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade).
Por fim, em que pese todos os problemas que afligem atualmente a ciência penal, em especial pela contribuição colhida ante a perspectiva teleológica funcional do delito, onde se pretende que a dogmática jurídico-penal, a criminologia e a política criminal estabeleçam um sistema punitivo mais justo, conforme pretende Claus Roxin , não se pode admitir uma interpretação relativista, sem que se apresente uma justificação sistemática clara.

Mestre em Direito PUC/PR. Professor de Direito Penal e Criminologia da Graduação e da Pós-Graduação da PUC/PR. Advogado criminalista.

Veja-se, por todos, PÉREZ, Octavio Garcia. La punibilidad em el derecho penal, Pamplona: Aranzadi, 1997, p. 69 e ss.

No mesmo sentido, PUIG, Santiago Mir. Derecho penal, parte general, 7ª ed., Buenos Aires: Julio César Faira – Editor, 2004, p. 150.

Questões fundamentais do direito penal revisitadas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 244.

Idem, ibidem.

PÉREZ, Octavio Garcia. Op. Cit., p. 70.

In: BITTAR, Walter Barbosa. As condições objetivas de punibilidade e as causas pessoais de exclusão da pena, Rio de Janeiro, Lúmen Júris, xiii.

Op. Cit., p. 150.

Derecho penal, parte general, Trad. Juan Del Rosal y Jose Cerezo. Barcelona: Bosch, 2000, p. 36/37.

Idem, p. 37.

Op. cit, p. 418.

Princípios de derecho penal, 3ª ed., Buenos Aires: Sudamericana, 1958, p. 417/431.

Cf. BITTAR, Walter Barbosa. As condições objetivas de punibilidade e as causas pessoais de exclusão da pena, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 1.

Cf. TAVARES, Juarez. Teorias do delito, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 1.

Cf. BETTIOL, Giuseppe. Derecho penal, trad. Jose Leon Pagano, Bogotá: Temis, 1965, p. 177.

Tratado de Direito Penal, parte geral, vol. 1, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p.190.

Idem, ibidem.

Cf. PUIG, Santiago Mir. Op. Cit., p. 151.

Apud, MAPELLI CAFFARENA, Borja. Estúdio jurídico-dogmático sobre las llamadas condiciones objetivas de punibilidad. Madrid: Ministerio da Justicia, 1990, p. 50.

Neste sentido: MARTINEZ PÉREZ, Carlos B. Los delitos contra la hacienda pública y la seguridad social, Madrid: Tecnos, 1995  p. 133; FARALDO CABANA, Patrícia. Las causas de levantamiento de la pena, Valencia: Tirant lo blanch, 2000;; JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal, parte general, trad. Jose Luiz Manzanares, 4ª ed., Granada: Comares, 1993, p. 500, dentre outros.

No Brasil PAULO JOSE DA COSTA JR. modificou seu entendimento, acrescentando a punibilidade ao conceito analítico de delito por preferir adotar uma concepção quadripartida, com base no entendimento de GIULIO BATTAGLINI. Direito penal: curso completo, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 127/129.

Op. cit., p. 215.

Cf. MUÑOZ CONDE, Francisco, El desistimiento voluntario de consumar el delito, Barcelona: Bosch, 1972, p. 64.

Cf. MAPELLI CAFFARENA, Borja, op. cit., p. 51.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Op. cit., p. 250.

CF. MAPELLI CAFFARENA, Borja, op. cit., p. 53.

DIAS, Jorge de Figueiredo, op. cit., p. 250.

Cf. MAPELLI CAFFARENA, Borja, op. cit., p. 52.

Idem, p. 56.

Curso de derecho penal español, parte general, vol. II, Madrid: Tecnos, 1998, p. 22.

Extinção da punibilidade em face do novo código penal, Revista Forense, nº 87, Rio de Janeiro: Forense, 1941, p. 580.

Esta conclusão deve ser creditada a HUNGRIA, Nelson, que elaborava suas ilações não sobre as condicionantes, mas sim sobre as causas de extinção da punibilidade, o que não impede que esta sirva para o objeto deste trabalho. Extinção da punibilidade em face do novo código penal, p. 580.

Expressão ressaltada por RIOS, Rodrigo Sanchez, in Direito penal tributário, coord. PEIXOTO, Marcelo Magalhães et. al., São Paulo: MP Editora, 2005, p. 380.

MAPELLI CAFFARENA, Borja. Op. cit., p. 50. Segundo FRAGOSO, Heleno Claudio, foi BINDING quem primeiro destacou a existência das condições objetivas de punibilidade, tendo-as disciplinado com fundamento em sua teoria das normas, Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade, 1a parte, São Paulo: Revista dos Tribunais nº 738, 1997, p. 744. Segundo HASS, citado por CAFFARENA, o mérito deve ser compartilhado com FRANKE (Das Deutsche Strafgesetzbucht und die Strafsachen aus Handlungen der Zeit vo dessen Gesetzeskraft, en “GA”, 1872, 20, p. 14 e ss., op. cit., p. 16, nota de rodapé n. 4.

Política criminal e sistema jurídico-penal, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 82 e ss.

27.dez.90 (crime de sonegação fiscal);

Decreto-lei nº 16, de 10.ago.66;
Decreto-lei nº 47, de 18.nov.66;
Lei 4.591, 16.dez.64;
Lei5.741, de 1.dez.71, art. 9;]
Lei 6.453, de 17.out.77,art.19 a 27;
Lei 6.649, de 16.maio.79 (revogada pela lei 8.245, de 18.out.91,
definindo contravenções e crimes nos arts. 43 e 44);

Lei 6.766, de 19.dez.79,arts. 50 a 52;
Lei 7.492, de 16.jun.86 (crimes do colarinho branco);
Lei 7.646, de 18.dez.87;
Lei 8.078, de 11.set.90, arts. 63 a 78 (Crimes contra o consumidor);
Lei 8.176, de 8.fev.91 (Define crimes contra a ordem econômica);
Lei 8.212, de 24.jul.91 e Lei ;
Lei 9.605, de 12.fev.98, arts.29 a 69 (crimes contra o meio ambiente);
Lei 9.609, de 19.fev.98, art.12;
Lei 9.613, de 3.mar.98 (Lavagem de dinheiro);
Lei 9.983, de 17.jul.000;
Lei 10.028/00 (Crime de responsabilidade fiscal).
Cabe observar que a lei 9.983/00 que instituiu o crime de sonegação de

contribuição previdenciária, trouxe para a parte especial do Código Penal esta modalidade

de crime contra o ordem econômica, que estava em lei special porém, ainda fora de um

capítulo especial pertinente aos delitos econômicos, podendo indicar a existência de uma

tendência futura a fim de reunir o rol de crimes contra a ordem econômica na parte especial

do Código Penal.

Todavia, não nos parece que, a curto prazo, nosso diploma repressivo

penal,  venha a possuir um capítulo especial destinado aos crimes a ordem econômica,

embora exista de fato uma preocupação em estabelecer uma classificação, ainda que não

existam critérios definidos na legislação brasileira, “sendo impossível extrair um conceito

jurídico consistente de criminalidade econômica “ .

Esta indefinição pode resultar a favor da impunidade , em face de

fomentar discussões dogmáticas, pertinentes a jurisdição, concurso de normas, etc.,

dificultando à aplicação da lei.

Por último, cabe ressaltar que a técnica legislativa necessita ser

aprimorada, tendo em vista que a correta descrição da conduta injusta, é uma necessidade

decorrente do próprio princípio da reserva legal, ainda que reconhecidas as dificuldades

próprias de tão fluída modalidade delitiva como a dos crimes a ordem econômica.

 

7 – NOTAS CONCLUSIVAS

 

Os chamados crimes contra a ordem econômica são melhor
delineados em face de sua característica principal da tutela de bens

jurídico-penais de natureza supra individual;

Não há que se confundir crimes contra a ordem econômica, de
caracter coletivo, com crimes contra o patrimônio que possuem  um

enfoque voltado para o indivíduo, nos moldes do Direito Penal

Clássico;

O chamado Direito Penal, não está superado, tampouco será
substituído por um novo Direito Penal, hierarquicamente superior.

Tanto o Direito Penal Econômico, quanto o clássico, possuem seu

âmbito de importância e pertinência suficientemente delineados;

Levando-se em conta que o Brasil amolda-se ao modelo capitalista, é

extreme de dúvidas que a criminalização das empresas não pode ficar

à margem da legislação brasileira, e na realidade não fica.

É recomendável que a legislação brasileira, que não possui um
capítulo sobre os crimes contra a ordem econômica, empreenda

esforços no sentido de alocar as condutas lesivas a ordem

econômicas (que necessitam de tutela penal), na parte especial do

Código Penal. Dentre os motivos que justificariam esta assertiva, se

pode destacar a facilidade que o exegeta encontraria ao manusear

uma legislação mais uniforme, com capítulo dedicado a matéria

específica;

Outro fator importante é que a reunião destas normas em um capítulo
específico (de preferência no próprio Código Penal), possibilita uma

diminuição da impunidade dos responsáveis pelos entes jurídicos que

venham a praticar condutas criminosas contra a ordem econômica;

A criminalidade das empresas, além de recomendável, está em
consonância com os modernos postulados da Criminologia e

conforme a melhor orientação político criminal, outro motivo, mais do

que suficiente, para uma ampla reforma legislativa, tendente a criação

de um capítulo específico na parte especial do Código Penal ou, não

sendo possível, a promulgação de uma lei extraordinária mais

eficiente, que reúna os chamados crimes contra a ordem econômica

em um único, ou mais abrangente, instrumento legislativo.

 

8 – BIBLIOGRAFIA

 

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Esteban Righi, Derecho penal economico comparado, p. 7.

Idem, p. 8.

Cf. João Marcello de Araújo Jr .. Dos contra a ordem econômica, p. 2/3.

Cf. Rodrigo Sanchez Rios. Reflexões sobre o delito econômico e a sua delimitação, p. 432.

Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade. Problemática  Geral das Infrações Contra a Economia
Nacional, p.65.

Idem, p.66.

Cf. Ela Wiecko V. de Castilho, o controle penal nos crimes contra o sistema financeiro nacional, p. 61.

O objeto da chamada “Criminologia Clássica” limitava-se ao delinquente e as condutas definidas em lei como crime, este limite ampliou-se para abranger também a vítima e o controle social, culminando na observação da cifra negra da criminalidade e de condutas não abrangidas pelo Direito Penal, etc. Cf. Luiz Flavio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina, Criminologia, p. 59-107.

Cf. Ela Wiecko V. de Castilho, op. cit., p. 62.

Cf. Ela Wiecko V. de Castilho, op. cit., p. 63.

Cf. Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, op. cit., p.67.

Introdução crítica ao direito penal brasileiro, p.116.

Cf. Raul Peña Cabrera, El bien jurídico en los delitos econômicos, in,  Revista Brasileiras de Ciências Criminais, n. 11, p.35.

Cf. Luiz Regis Prado, Bem jurídico-penal e constituição, p.56.

Idem, p.67.

Idem, ibidem.

Cf. Manoel Pedro Pimentel, Direito penal econômico, p.3.

Idem, p. 4-5.

Op. cit., p. 69-70.

Idem, p. 70-71.

Cf. Ela Wiecko V de Castilho,  op. cit., nota de rodapé nº88, p.116.

La delincuencia económica, p. 234-236

Não se olvidando de que China, Cuba, dentre outros países, ainda adotam o modelo socialista.

Imre Wiener, Outline to the general report for the socialist countries. In, Revue International de Dróit Pénal, v. 54, p.67.

Cf. Miguel Bajó Fernandez, Derecho Penal Económico, p. 63.

Derecho penal Económico, p. 1.

Idem, ibidem.

Op. cit., p. 10.

Posição adotada por Miranda Gallino, Manoel Pedro Pimentel, op. cit., p. 10-11.

Tratado de Derecho Penal, Buenos Aires: Losada tomo I, p. 47.

Cf João Marcelo de Araújo Jr., op. cit. 37-38.

Cf. Luiz Flavio Gomes e Antonio Garcia-Pablos de Molina, op. cit., p. 128-129.

Cf. João Marcello de Araújo Jr., op. cit., p. 42.

Idem, p. 44-45.

Idem, p. 46.

Op. cit., p. 300.

Concepção e princípios do direito penal econômico, inclusive a proteção dos consumidores, no Brasil. In Revista de Direito Penal e criminologia, nº33, p. 79-80.

Não são todos os autores que inserem crimes contra a propriedade industrial na categoria de crime contra a ordem econômica. Neste sentido: Esteban Righi, op. cit., p. 128.

Cf. Ela Wiecko V de Castilho, op. cit., p. 115.

Idem, ibedem.

alidade, termina por legitimar a ampliação de poderes da polícia, da justiça e da política em geral, basicamente: a) redução de complicações legais e introdução de segredos processuais; b) oferece um tema de campanha eficiente para os políticos como por exemplo a melhor política de combate ao crime organizado e a lavagem de dinheiro.

               Esta realidade está a demonstrar que a política oficial de combate a lavagem de dinheiro aproxima-se do simbolismo, como espécie de demonstração de que o Estado realmente se preocupa com um problema preocupante, criando leis penais repressivas, limitando garantias constitucionais, excluindo da discussão o efetivo combate as causas do aumento da criminalidade e não seus efeitos, buscando encobrir a falta de capacidade política na resolução de problemas comunitários, que não pode ser nem compensada, tampouco torna o Estado o garante da lei e da ordem pela via do Direito Penal.

3.
O TIPO PENAL DE LAVAGEM DE DINHEIRO E OS PROBLEMAS DA LEI 9.613/98

Não obstante aos inúmeros discursos existentes sobre o tema, fato é que “a tipificação da lavagem de dinheiro mostra-se fruto, antes de mais nada, de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil”23. Tais compromissos são decorrentes da transnacionalidade desse delito, oriundo de atividades das organizações criminosas que se aproveitaram da interligação do sistema econômico-financeiro mundial, fazendo com que uma cooperação internacional pudesse oferecer uma maior eficiência a esta modalidade delitiva.
Assim, conforme leciona Pitombo, “A estratégia internacional focou-se no objetivo de perseguir o produto e o proveito de determinados crimes; em particular o dinheiro obtido pelas organizações criminosas por meio do tráfico ilícito de entorpecentes”24. Afinal a dificuldade causada pela posse do dinheiro em espécie constitui o verdadeiro problema para as organizações criminosas, em razão do espaço físico que ocupam, levantando suspeitas sobre operações de grande valor, surgindo à necessidade de lavá-lo. Tal fato permite a identificação da origem criminosa do montante e de tomar medidas com o intuito de impedir a utilização deste dinheiro25. Desse modo, por meio de diretrizes estabelecidas por convenções internacionais tornava-se imperioso que as nações se comprometessem na criminalização do crime de lavagem de dinheiro, dentro de determinados parâmetros26.

               Seguindo a tendência o legislador brasileiro em 3.mar.1998, o Presidente da República sancionou a lei 9.613/98, publicada no dia seguinte, vigorando o rol de crimes previsto no caput do art. 1°: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo (e seu financiamento, acréscimo em face da lei 10.701); III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV – de extorsão mediante seqüestro; V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI – contra o Sistema Financeiro Nacional; VII – praticado por organização criminosa. Pena: reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos e multa”. Acrescidos do inciso VIII, incluído pelo art. 3° da lei 10.467/2002: VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (art. 337-B, 337-C, 337-D, CP)27.

               Nesta lista de crimes antecedentes, não foram elencados os crimes contra a ordem econômica e tributária, cuja inserção no rol dos crimes de lavagem de dinheiro já é objeto do projeto de lei n° 2500/2003, apresentado em 14.nov.2003 pela Comissão Parlamentar de Inquérito com finalidade de investigar operações no setor de combustíveis, relacionados com a sonegação de tributos, máfia, adulteração e suposta indústria de liminares.

               Este rol taxativo de delitos antecedentes cria um problema peculiar ao aplicador do direito relacionado à subsunção típica a norma – que não se resume as naturais dificuldades trazidas pelos tipos múltiplos alternativos – centrado na questão normativa que impõe a existência de um tipo antecedente, fruto da redação do art. 2°, II, da lei 9.613/98, que dispõe: “o processo e julgamento dos crimes previstos nesta lei. (…) II – independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no art. anterior, ainda que praticados em outro país”.

               Se não causa espécie o fato de se exigir um crime antecedente, ou delito acessório, para a configuração do crime de lavagem de dinheiro pois, “sem a ocorrência do crime anterior, é impossível originar-se o objeto de ação da lavagem de dinheiro e, via de consequência tipifica-la”28, ante a um Direito Penal que se quer garantista, e uma Constituição Federal que dispõe sobre o princípio da presunção de inocência, incomoda a redação do art. 2°, II, da lei 9.613/98, quando pretende desvencilhar a confirmação legal (via sentença) do crime antecedente para a configuração da lavagem de dinheiro.

               Não se pode ignorar simplesmente que a redação da norma exige como elemento objetivo do tipo, para  a configuração da lavagem de dinheiro, a prática de um crime antecedente a conduta principal que se quer punir que é a da lavagem de capitais. Sendo assim, a exclusão do crime inviabiliza a subsunção típica, ainda que o legislador, talvez para encobrir eventual imperfeição da elaboração da norma, consigne que meros indícios dos crimes elencados como antecedentes, permitam a caracterização do delito de lavagem de dinheiro.

               Esta realidade está a indicar que política adotada, pretende dar respaldo legislativo (ainda que inadequado) a evidente gravidade social oriunda da lavagem de dinheiro, contudo os reflexos destes problemas desencadearam uma série de questões graves que, se não observadas, aumentarão a insegurança jurídica, desnorteando, ainda mais, o entendimento jurisprudencial, que tem enveredado por caminhos tortuosos na apreciação do caso concreto, fruto de uma política criminal tendenciosa e mal conduzida que, cada vez mais, traz para o direito positivo uma série de normas que causam verdadeira perplexidade ao operador do direito, conforme se pretende demonstrar no tópico seguinte.

4.EFEITOS DA POLÍTICA CRIMINAL NA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS

4.1
Inversão do ônus da prova

               Consequência direta de uma política de combate à lavagem de capitais, centrada no uso do Direito Penal como meio supostamente mais eficaz para o sucesso da empreitada, via de consequência, traduz-se em elaboração de normas, visivelmente anti garantistas, e dogmaticamente censuráveis.

               Na linha do raciocínio ora desenvolvido, chama atenção o art. 4°,§ 2° que, quanto à apreensão e seqüestro de bens, teria invertido o ônus da prova, ao dispor que: “(…) O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou sequestrados quando comprovada a licitude de sua origem”.

               Não faltam vozes para elogiar e confirmar o estabelecimento de verdadeira inversão do ônus da prova, que não seria inconstitucional e que teria criado um instrumento necessário para a sistemática da lei como um todo29.

               Mas esta brecha da inversão do ônus da prova, indiscutivelmente prevista na lei, afronta à previsão do art. 5°, LIV, da Constituição Federal, que dispõe: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A política de combate à lavagem de dinheiro librou-se tanto no Direito Penal, que se esqueceu de alguns de seu principais princípios (por exemplo: presunção de inocência e culpabilidade), pretendendo um “processo legal” com inversão do ônus da prova, como pretende impor a lei de lavagem de capitais, que ou bem é fruto da ignorância do legislador sobre os pilares do Direito Penal, ou bem é a demonstração maior de uma política criminal baseada nos movimentos de lei e ordem, tão ao gosto da cultura da América do Norte.

               É claro que – felizmente – quanto ao ônus da prova do crime de lavagem de dinheiro, para prolatação de decreto condenatório, nenhuma alteração nos trouxe a legislação em tela, que permanece com a acusação. Contudo, abriu um perigoso caminho, que tende a ser trilhado nas leis penais extraordinárias.

4.2
O paradoxo das sanções administrativas

               Outro ponto que permite concluir pelo desequilíbrio da lei de lavagem de capitais, pode ser percebido quando se verifica – pelo estabelecimento de regras especiais de processo e outras disposições administrativas – uma pretensa facilitação da investigação de tais práticas, quando impõe a um extenso rol de pessoas jurídicas e físicas a obrigação de desempenhar muitas tarefas burocráticas, que deveriam ser praticadas pelo Estado, impondo o dever de identificação de clientes, conservar registros de operações e transações e comunicar estas à autoridade administrativa competente30.

Conforme disposto no art. 12, da lei 9.613/98, as pessoas elencadas no art. 9°, que deixarem de cumprir as obrigações impostas nos arts. 10 e 11, estão sujeitos as sanções previstas, mediante o devido processo administrativo. Em caso de condenação poderão ser aplicadas (cumulativamente ou não), as seguintes punições: I – advertência; II – multa pecuniária variável de um por cento até o dobro do valor da operação, ou até duzentos por cento do lucro obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação, ou , ainda, multa de até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais); III – inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9°; IV – cassação da autorização para operação ou funcionamento.
O que a simples leitura das sanções já permite demonstrar é a existência de um impressionante desequilíbrio na disciplina dada ao tratamento das penas pecuniárias quanto à sanção administrativa e penal, posto que a primeira poderá atingir o agente que, embora não tenha praticado um ilícito penal, pela previsão do § 2° do art. 12 da lei dos crimes de lavagem31, será punido de forma muito mais severa do que o criminoso32. A questão é que, no caso concreto, será possível que “o réu lavador venha a ser condenado judicialmente a pagar ínfima pena de multa, ao passo que ao agente financeiro se aplique, por decisão administrativa, pena pecuniária de grande valor”33.

               Se, a princípio, já se pode questionar a inaplicabilidade de sanção administrativa mais grave, do que a própria sanção penal, em face do princípio da proporcionalidade, também se pode questionar a política adotada, que se mostra – como se demonstrou – desequilibrada e, flagrantemente, opressora, propiciando interpretações que não adotem o raciocínio ora desenvolvido, o que, certamente, resultará em enorme injustiça.

4.3
Delação premiada

               Aqui resta, mais uma vez, lamentar a postura adotada pelo legislador brasileiro que nada mais fez do que admitir a máxima de que os fins justificam os meios.

Ao invés de adotar medidas preventivas verdadeiramente eficazes, priorizando um direito penal muito mais voltado para a prevenção do que a repressão, e que se volta à retribuição do infrator, optou o legislador pátrio em trazer para seu lado o próprio criminoso, sob a alcunha de “réu colaborador”. A questão é que, se de forma consciente ou não, a lei brasileira reconheceu o valor (ainda que provavelmente remoto) de figuras que ficaram famosas, justamente, por entrarem para a história da humanidade pela porta dos fundos como, por exemplo: o apostolo Judas Iscariotes (o traidor de Jesus Cristo), Domingo Fernandes Calabar (que durante a época da invasão dos holandeses no nordeste, passou para o lado holandes em 1632), Joaquim Silvério dos Reis (que denunciou a organização de
uma conspiração que desejava transformar a Capitania de Minas Gerais em um estado livre, liderada por Joaquim Jose da Silva Xavier, o herói nacional Tiradentes, enforcado graças ao traidor), etc.. Se, de fato, não cabe o questionamento moral da opção do legislador brasileiro, do ponto de vista da análise da política adotada ante ao combate a lavagem de dinheiro, resta observar que ficou devidamente consignado em nosso direito positivo, o reconhecimento do fracasso da política criminal adotada para o enfrentamento da criminalidade contemporânea.

               Se lamentar é o que resta, tendo em vista que nada obsta que o Ministério Público se reúna com o criminoso (ou criminosos), compactuando – ainda que na busca de uma maior aplicação da lei penal – com o próprio inimigo da sociedade organizada, pior seria admitir a delação premiada como elemento de prova, em face da evidente realidade de que sempre estará revestido de parcialidade, mas esta é uma questão que não é o enfoque deste trabalho e necessita um maior aprofundamento.

               Por outro lado, não se torna imperativo um estudo pormenorizado para perceber os reflexos negativos que surgirão no uso da delação premiada, sendo o que mais atemoriza a possibilidade da produção de uma prova, sem o crivo do contraditório. Pior: trazer para dentro do processo um elemento (delação) evidentemente parcial, no mínimo tendencioso, eis que beneficia diretamente o infrator, deixando a possibilidade de formar uma convicção do julgador equivocada que, se bem trabalhada, poderá imputar a responsabilidade ao terceiro(s) inocente. Quem ousaria pensar o contrário?

4.4
Reflexos na jurisprudência pátria

               As consequências preocupantes a que nos referimos, da política adotada para o combate a lavagem de dinheiro, já se pode sentir nos Tribunais pátrios que vão fixando alguns entendimentos preocupantes.

               Exemplo desta realidade pode ser facilmente percebida da leitura de alguns acórdãos, que vêm reconhecendo, dentre outros, que o impacto social causado pelo delito, periculosidade do agente, complexidade do delito, magnitude da lesão (figuras não previstas em lei como elemento das modalidades de prisão cautelar) servem como justificativa ao decreto da prisão preventiva34.

Da mesma forma, é possível observar o uso infundado do termo crime organizado em diversos acórdãos35, aparentemente, com o intuito de demonstrar a gravidade do fato julgado, sem que a lei penal pátria tenha criado tal modalidade delitiva,
bem como a doutrina já tenha assinalado a impropriedade absoluta do termo36, já previsto no ordenamento jurídico brasileiro no art. 288 do Código Penal37.

               A questão que precisa ficar muito bem esclarecida é que não existe a norma penal pertinente a figura do crime organizado, sendo sua utilização fruto da absorção de uma política criminal que começa a fazer – preocupante – eco em nossos Tribunais.

                Embora o assunto conceitual já tenha sido tratado no item 2 do presente, faz-se mister consignar que a expressão “crime organizado” possui forte apelo popular e que, segundo Zaffaroni38 é impulsionada pelos próprios delinqüentes, que apareceriam como indivíduos poderosos e dignos de admiração. Certo é que, pior do que esta realidade, é perceber que os efeitos políticos da adoção do termo resultaram em justificativa para que regimes totalitários justificassem ações ditatoriais, como já se pode sentir no posicionamento da jurisprudência, que vem firmando o entendimento de que, na fase do inquérito policial, não vigoram os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, negando acesso aos autos ao advogado constituído.

               Lamentável que os Tribunais brasileiros creditem (ainda que não explicitamente), o não acesso da defesa aos autos do inquérito policial, a uma melhor apuração das provas que constarão no processo criminal. Muito pelo contrário!

               É forçoso reconhecer, ante aos conhecidos abusos e excessos cometidos em sede policial, que a presença do advogado (e portanto o exercício da ampla defesa, negado pela jurisprudência em sede investigativa) só faria referendar a prova produzida, não se podendo compreender a postura dos Tribunais pátrios, a não ser que se conclua que foram, definitivamente, afetados pela política adotada ao combate a lavagem de dinheiro, centrada no uso abusivo do Direito Penal, não se podendo calar ante a uma postura, evidentemente, contrária a Constituição Federal, erigida com base nos princípios garantistas.

               Não bastasse ignorar a necessidade, e a legitimidade, da presença da defesa (em especial acesso aos autos para não permitir – inclusive – a formação de prova falsa) em sede de inquérito, solidificou-se perigoso precedente jurisprudencial39, que autoriza o recebimento de denúncia, nos casos de crimes de autoria coletiva, sem a descrição da conduta de cada agente, absurdo já ressaltado em artigo que bem resume a hipótese, da lavra do professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Edward Rocha de Carvalho40, onde se demonstra o risco em que se colocou o Poder Judiciário, ao relaxar em seu mister – imprescindível – de garante da Constituição.
Não cabe nestas reflexões analisar os reflexos dogmáticos dos efeitos que a jurisprudência já acusa estar sofrendo, pois não é o cerne da questão analisada, mas não se poderia deixar de consignar quão preocupante é constatar que, ao relativizar a interpretação do texto legal: permitindo a decretação da prisão cautelar calcada no resultado do delito, e não nos elementos contidos na norma legal, ou seja: no art. 312 do Código de Processo Penal; admitindo denúncia genérica nos crimes de autoria coletiva, a revelia do texto inscrito no art. 41 do Código de Processo Penal, ao negar em sede de inquérito o princípio da ampla defesa, previsto no art. 5°, LV, da Constituição Federal, deixa o Poder Judiciário de exercer a sua função de guardião da lei para assinalar que, a política adotada – na prática – tem o condão de tornar letra morta as garantias constitucionais, que não passariam de fato, de mera retórica41, não restando outra alternativa senão concluir que se constituem, somente, de mera aparência, que não traz nem segurança jurídica, nem segurança política.